Kunt de Transmasc: Ball celebra o protagonismo de corpos transmasculinos

22 de novembro de 2023

“Marcar a vida das pessoas, potencializar talentos, ensinar, aprender, curar, extravasar, se divertir”. São muitos desejos, são muitos verbos, mas quem estiver presente no dia 25 de novembro, no nascimento da Kunt de Transmasc Ball, vai entender porque é tão significativo e importante a existência de uma ball para celebrar o protagonismo de corpos transmasculinos na cena.

O Estéticas das Periferias conversou com Kayuá Atipiko e Daren Dkuntth que, juntos, idealizaram o Kunt de Transmac. A partir dos próprios pontos de vista, de dois corpos transmasculinos, Atipiko e Dkuntth explicam que, conforme foram conhecendo a cultura ballroom, perceberam que era necessário incentivar que pessoas transmasculinas tivessem destaque para suas questões específicas e, inspirados pelas práticas de acolhimento da cena, criaram um espaço para isso.

“O Kunt de Transmasc é um projeto que foi criado a partir do momento em que vi a necessidade de ter um ambiente de treinos voltados para corpos transmasculines. Nossa expectativa sempre foi de que os menines se sentissem mais confiantes e seguros em se jogar, em caminhar e ocupar lugares na ballroom que já deveríamos estar ocupando há um bom tempo”, explica Dkuntth.

Para Atipiko, não é porque a cultura ballroom surge como uma ferramenta de resistência para grupos e pessoas divergentes que ela não precisa se renovar ou desenvolver práticas que garantam espaços de segurança e evite a invisibilização de determinados corpos e manifestações. 


“A ballroom nasceu em Nova York, na década de 70, fruto da ação da cultura LGBTQI+ negra e, desde então, vem surgindo novas e velhas demandas a todo tempo. Os transmascs, em geral, sofrem de uma invisibilidade na sociedade, e isso acaba sendo reproduzido na cultura ballroom também. Aos poucos, e com a luta de vários que vieram antes do Kunt, estamos aqui resistindo e persistindo em nossa existência”, lembra Atipiko.

Treino que virou ball

 

Dkuntth e Atipiko contam que, no início, a ideia era criar um ambiente de treino para transmasculines, como uma oficina, a ideia era ter um momento para ensinar passos, movimentos e praticá-los. A oportunidade de usar o Espaço Cultural Periferia no Centro, na sede da Ação Educativa, localizada no centro de São Paulo, possibilitou explorar o máximo do desejo de ambos de promover encontros em um lugar seguro e ampliar o alcance da iniciativa.


A parceria com a Ação Educativa foi importante, explica Dkuntth, não só pela cessão do espaço, mas também por ter um incentivo da instituição, um sinal de que outras pessoas e organizações também acreditavam no Kunt de Transmac.


“A Ação Educativa sempre foi um local muito acolhedor desde o início, sempre nos deram muita atenção e autonomia, sempre procuraram formas de acolher mais corpos como os nossos. Ocupar a Ação Educativa vai muito além de apenas estar ali, mas também nos diz que temos muitas coisas a mostrar, a ensinar. É uma instituição que abre portas para projetos iniciantes que talvez não tenham tantas chances em outros lugares”, Dkuntth.

Raquel Luanda, supervisora de Comunicação e Eventos da Ação Educativa, fala sobre a relação com o Kunt de Transmasc e a importância do apoio à iniciativa. “Nos últimos anos nossa instituição tem incentivado coletivos culturais, especialmente negros e LGBTQIAPN+, dentre outras formas, com cessão de espaço. Desde o ano passado, nos aproximamos da cena ballroom e temos nos tornado referência para as kikis como um local possível e acolhedor para a realização de seus encontros, ensaios e balls”, destaca.

A proposta do Kunt de Transmasc foi contemplada por meio do chamamento “Mapeamento de Coletivos Artísticos LGBTQIAPN+”, promovido pela Ação Educativa. “Escolhemos a proposta do Kayuá e do Daren, através do questionário de mapeamento de coletivos LGBTs, por conta da centralidade da dimensão formativa, que possibilita ampliar as possibilidades de grupos sociais marginalizados, estratégia fundamental no combate às desigualdades. O Espaço, além de ser uma espécie de incubadora de novos talentos, tem como missão garantir uma vivência segura a esses corpos, isso é fazer política. Então, será de grande alegria, como resultado desses meses de apoio, experienciar a Kunt de Transmasc Ball”, afirma Luanda.

Atipiko avalia que a iniciativa começou com o objetivo de existir enquanto um ambiente seguro para o público transmasculino se integrar na cultura ballroom, ao longo dos meses foi se tornando mais que um treino e virou uma ball.

“O Kunt de Transmasc nasceu em janeiro de 2023 com o objetivo de criarmos ambientes seguros para treinos relacionados a cultura ballroom para o público transmasculino. Ao longo do tempo foi se tornando mais que um treino, virou ball. Tivemos diversos encontros com pessoas respeitadas na cena ballroom, indo de vogue femme a runway, o que ajudou a intensificar as nossas participações nas balls, tanto assistindo, quanto caminhando!”, conta Atipiko.

Na cultura ballroom, as balls são eventos e cerimônias organizadas com fins políticos e de entretenimento. São locais de diversão, livre expressão e acolhimento de corpos marginalizados, por isso, são políticas em sua simples existência.

O próximo passo, afirmam Dkuntth e Atipiko, é que o Kunt de Transmasc exista enquanto uma rede de apoio para transmasculines, proporcionando momentos de festas, de ação política e também de trabalho. 


Nosso objetivo enquanto projeto é poder monetizar e potenciar a arte de transmascs dentro e fora da cena ballroom. Eu desejo que marque a vida das pessoas, tanto de quem vai caminhar, de vai trabalhar e de quem vai assistir, espero que possamos cumprir nosso objetivo, que é de potencializar o trabalho de pessoas transmasculinas.”, reitera Atipiko.

Masculinidades

Dkuntth aponta que, mesmo dentro da cultura ballroom, é necessário entender e vivenciar de outra forma o conceito da masculinidade e isso passa, explica, por entender que alguns corpos ganham destaque e visibilidade com mais facilidade que outros. 

“A Ballroom é um local acolhedor, mas acredito que em todos os lugares existem corpos que se destacam mais que os outros, e às vezes nem é proposital, com isso as demandas acabam aparecendo, e sim, existem demandas voltadas as trasnamaculinidades, onde a gente vem tentando resolver, criar encontros, rodas de conversas, para que seja colocado em pauta todas as nossas demandas”, pontua. 

Atipiko defende que a masculinidade seja entendida como um espectro, assim como a feminilidade, o que significa dizer que não existe só uma forma de expressão, um padrão único do que é a masculinidade. “Desde pequeno e muito antes da minha transição de gênero me deparei com várias pessoas masculinas ou ditas ‘másculas’ mas sempre num lugar de violência e abuso. Com minha transição e vivências pude perceber que a masculinidade não tem nada a ver com isso. Para mim, a masculinidade é um espectro assim como a feminilidade e cada pessoa pode criar o seu. Hoje em dia tento ao máximo criar uma masculinidade que fuja do esperado pela sociedade”, enfatiza.


A desconstrução de um padrão único de masculinidade também é central para Dkuntth. Em sua visão, estabelece-se a masculinidade cis como a única possível, negando a masculinidade àqueles que estão fora desse modelo.

“Eu vejo que a masculinidade é muito forçada e que para sermos intitulados masculinos temos que seguir um padrão, que geralmente é bem focado na “masculinidade cis”. Mas, para mim, a masculinidade é algo que pode ser construído de uma forma leve, não me sinto mal em estar usando uma roupa mais curta, ou em só simplesmente ser um pouco mais afeminado falando, eu sei que isso não me faz menos transmasc, pelo contrário, me faz cada vez mais único e confiante”, conclui.

A ball de estréia do Kunt de Transmasc acontecerá no Espaço Cultural Periferia no Centro, na sede da Ação Educativa, no dia 25/11 das 16h às 21h30. Confira as atrações:


Chant: Ewe Candace

Dj Statement: Prince Evehive Cosmos

Host: Atipiko 007

 

Juri:

Christian Mutatis

Legendary Edan Mutatis

Legendary Puri Candace

 

Categorias: 

TM FACE: Venda seu rosto para os júris e mostre como a beleza transmasculina é única. (Categoria exclusiva para pessoas transmasculinas negras).

TM RUNWAY: Mostre sua caminhada para todes e os motivos pelo qual as passarelas estão perdendo você.

TM REALNESS: Essa é só para os mais fofos! Mostre seu lado mais fofo para os júris e encha a plateia de sons de awwwn.

TM MEGÃO x JOGA A RABA: Venha com seu kit de baile e embrase ao som submundo.

TM SEX SIREN: Ter kunt de transmasc também é explorar sua própria sensualidade e fazer todes delirarem por você. Mostre seu lado sexy para os júris.

BABY VOGUE TM: Categoria destinada para transmascs que estão iniciando sua pesquisa e performance em qualquer modalidade de vogue.

VOGUE OTA: Categoria destinada para pessoas que já possuem uma performance de qualquer modalidade de vogue. (Aberta para todes).

COMMENTATOR: Destinada a transmasculinos que estudam a categoria de commentator. Use a frase “Kunt de Transmasc” em seu 10s.

 

*Para conseguir seu 10s não será necessário apresentação de dress code, então fique a vontade para se expressar e mostrar seu estilo a todes. Mas lembre-se que a ball também é uma competição e que cada categoria possui seus elementos até mesmo nas roupas.

Kayuá Viana Gomes, mais conhecido como Atipiko, tem 22 anos. Nasceu em João Pessoa-PB, mas foi criado na zona sul de São Paulo, atualmente mora na região do Capão Redondo. Conheceu a cultura ballroom no ano de 2021 por meio de sua amiga e, atualmente mãe de consideração, “Sodomita”, artista de grime e Statement da cena ballroom. Lidero junto com o Daren a “Dkuntth”. Atipiko além de cantar, modelar e estudar fotografia, já se apresentou em diversas balls e hoje lidera o projeto Kunt de Transmasc, responsável pelo desenvolvimento artístico de outras pessoas transmasculinas. Já trabalhou como assistente de produção em balls da House of Avanlanx como a Safari e a Carapuça Ball e será diretor e hostess da Kunt de Transmasc Ball que irá acontecer no dia 25/11 a partir das 16h aqui na Ação Educativa

 

Daren Dkuntth é Multi Artista, Transmasculino e criador do Kunt de Transmasc. Sua trajetória começa na Zona Leste de São Paulo, onde reside até hoje. Integra do naipe da dança do Ilu Obá de Min, onde representa o orixá Exu. Trabalha no audiovisual como ator e dançarino, além de assistente de áudio. Faz parte da cultura ballroom desde 2022, atuando dentro da Belíssima Casa de Odara, é referência na categoria face e também caminha nas categorias de samba no pé, realness e runway. No final de 2022 e início de 2023, junto com o Atipiko Mutatis, criou o Kunt de Transmasc para dar voz a cena de transmascs de SP. Também estará conosco dia 25/11 compondo a produção e o artístico da Kunt de Transmasc Ball

Entrada gratuita. Esperamos você!

 

KUNT DE TRANSMASC BALL

25/11, das 16h às 21h30

Ação Educativa | Espaço Cultural Periferia no Centro – Rua General Jardim, 660 – Vila Buarque, São Paulo-SP