Dia Mundial de Luta contra a AIDS: “A gente quer a cura desse projeto de sociedade”, explica ativista

1 de dezembro de 2022

“Manter a memória dos que foram assassinados pela AID$, garantir a visibilidade dos que lutam e fortalecer respostas à epidemia” , é assim que Lili Nascimento, da Coletiva Loka de Efavirenz, resume parte do simbolismo do 01 de dezembro, reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como Dia mundial de luta contra a AID$.

Na conversa com o Estéticas das Periferias, Lili ressalta que as bandeiras de luta e mobilizações políticas passam por defender a luta pela cura – que seja “gratuita e de acesso universal”. Ao mesmo tempo busca-se romper a lógica reducionista de discussão da AIDS sob o prisma da prevenção,que invisibiliza e vivência de pessoas soropositivas “dentro das políticas dos afetos, das discussões sobre geração de renda, desencarceramento, etc”.

A Coletiva Loka Efavirenz surgiu em 2016, organizando-se em torno da necessidade da atualização sobre os discursos em torno da epidemia da AIDS. Lili explica que, desde os anos 60, início da luta social e política, os grupos e coletivos que atuam nesse campo se utilizaram das expressões culturais e artísticas como forma de criar relações entre si, conscientizar e fomentar a luta por direitos. Na entrevista abaixo, ela conta como tem se dado essas estratégias, os projetos e sonhos de “imaginar e co-criar no coletivo futuros possíveis, de liberdade e de gozo”.

Qual a importância do dia 01 de dezembro, dia mundial de luta contra a AIDS? 

 O dia 1 de dezembro  é uma data simbólica importante para manter a memória das pessoas que atuam na linha de frente na elaboração de respostas à epidemia de Aids, a data é uma forma de tentar não deixar cair no esquecimento as mais de 2 milhões de pessoas assassinadas pela AIDS no mundo inteiro,

 

Quando surgiu a Loka de Efavirenz  e como iniciou-se a organização em torno dessa pauta? 

A Coletiva Loka de Efavirenz foi idealizada em 2016 no 1º Curso de  Participação Juvenil, Ativismo e Direitos Humanos em HIV/AIDS no Estado de São Paulo, a partir da reflexão sobre a necessidade da atualização sobre os discursos em torno da epidemia da AIDS, sobretudo com relação à qualidade de vida que é negada às pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) no Brasil. A priori, o mote principal eram as  críticas às indústrias farmacêuticas, sobretudo em relação ao apagamento da discussão sobre os efeitos colaterais em decorrência do uso prolongado de medicações com altas taxas de toxicidade, assim como questões sobre estigma e discriminação, decorrentes de processos de vulnerabilização programáticas e precarização dos serviços públicos de saúde e educação. Dentre os principais projetos do coletivo está a página de facebook “Loka de Efavirenz”, seguida por mais de 6.000 pessoas, e com um alcance médio de 10 mil pessoas por semana. Essa página funciona como canal de denúncia e disseminação de informações sobre a epidemia de HIV/AIDS no Brasil. 

Após mais de dois anos de trajetória, a Coletiva Loka de Efavirenz obteve reconhecimento de uma parcela considerável do movimento histórico de AIDS, tanto acadêmico, quanto social, como a Associação Brasileira Interdiscipĺinar de AIDS (ABIA), Núcleo de Estudos de Prevenção ao HIV/AIDS (NEPAIDS), Grupo de Incentivo à Vida (GIV), Departamento Estadual de HIV/AIDS, Centro de Referência da Diversidade (CRD),  Anima Educação, Agência AIDS, Núcleo de Estudos dos Marcadores Sociais da Diferença (NUMAS), e até mesmo reconhecimento da própria ONU.

 

Qual a relação da cultura com com a pauta da AIDS e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)? Como a cultura contribui e/ou fortalece essa agenda? 

A arte é historicamente uma ferramenta de expansão de vozes e expressão de corpos que não são ouvidos. No caso específico da epidemia de AIDS, coletivos de artistas como o Visual AIDS e Act Up foram grandes propulsores dos direitos civis das pessoas vivendo com HIV/AIDS. Em meados da década de 1980, com o slogan “silêncio igual à morte” centenas de ativistas se reuniram em frente a Casa Branca nos EUA para costurar uma enorme bandeira com roupas de pessoas que morreram em decorrência da AIDS e seguiram nas ruas por semanas com ações em diversas linguagens: artes cênicas, artes plásticas, artes visuais, etc. Tal ação se repetiu ao redor do mundo, inclusive aqui no Brasil e foram por esses meios que hoje conquistamos nossos direitos atuais de acesso ao remédio, sigilo e outros.

Inspirados nesse histórico estamos desde 2016 desenvolvendo  projetos como “Controle (In)Visível” apresentado em parceria com o Sesc São Paulo, onde buscamos ampliar esta noção da arte, bem como suscitar e ampliar o debate em torno dos atravessamentos da vivência com HIV/AIDS.

A arte possibilita que as noções sobre as epidemias ultrapassem as ideias moralizantes e estigmatizantes. Dessa forma é possível a reconstrução da imagem subjetiva – que não deixa de ser histórica e socialmente construída – de um corpo que foi reservado sob o signo da morte. Assim, podemos desmanchar noções abstratas da epidemia e nos enxergar pessoas vivas, ao invés de mortos vetores de um vírus. Já que para nós, pessoas vivendo com HIV/AIDS, as possibilidades de expressões pela arte nos permitem  transmutar a moral e o estigma, rompendo com os silenciamentos e tornando-nos, portanto, o que somos: Potência.

 

Estigma, preconceitos… qual as maiores dificuldades sobre a questão? Como as dimensões de gênero e raça atravessam a pandemia de HIV/AIDS? 

Tanto a AIDS quanto a COVID-19, atuam e persistem sobre determinados corpos, isto é, mostram-se como mais um viés de toda violência estrutural, institucional e simbólica que os atinge. O número crescente de pessoas que se soroconvertem, bem como o aumento das taxas de mortalidades estão diretamente atrelados às opressões sociais, ou seja, o racismo, a misoginia e a homolesbotransfobia produzem estruturas que vulnerabilizam essas populações e as tornam mais suscetíveis às epidemias, inclusive as de AIDS e COVID-19.

Qual a seria a pauta, mensagem ou ideia que a Loka de Efavirenz quer transmitir para a “sociedade em geral”? E qual “realidade”  ou qual o mundo a ser construído?

A principal pauta da Loka é a cura! Queremos a cura, que seja gratuita e de acesso universal. E isso é sobre vida! Conseguir imaginar e co-criar no coletivo futuros possíveis, de liberdade e de gozo, romper com a lógica de falar sobre AIDS somente no que tange a prevenção e conseguir compreendê-la dentro das políticas dos afetos, das discussões sobre geração de renda, desencarceramento, etc. A cura diz de um outro projeto de sociedade e não se restringe ao aspecto biomédico/biológico, a cura também precisa ser social, na medida em que a desconstrução do estigma sobre a vivência com HIV/AIDS, principalmente através das artes, é uma das principais ferramentas de construção de uma nova realidade, que prioriza o bem viver.

 

Para conhecer mais:
Loka de Efavirenz: @loka.de.efavirenz (instagram) e facebook

por Paulo Pastore