Produção artística de mulheres negras é destaque do Estéticas das Periferias, que volta a ter atividades presenciais

18 de outubro de 2021

Entre 31 de outubro e 7 de novembro, a 11ª edição do encontro, promovido pela Ação Educativa, contará com mais de 80 atividades, entre apresentações artísticas, debates, oficinas, intervenções e produções audiovisuais;

A 11ª edição do Encontro Estéticas das Periferias, iniciativa da Ação Educativa, vai homenagear as mulheres negras que constroem a cultura das periferias. A partir da experiência da escritora Carolina Maria de Jesus, o evento buscará mostrar como as mulheres periféricas estão, no dia a dia, produzindo e disseminando cultura, assim como fez a autora de Quarto de despejo. O Estéticas das Periferias ocorre de forma presencial e online de 31 de outubro a 7 de novembro, com extensa programação artística em mais de 30 espaços culturais da cidade de São Paulo.

Motivados pela exposição Carolina Maria de Jesus – um Brasil para os brasileiros, que está em cartaz no Instituto Moreira Salles, o Estética das Periferias fará, neste espaço cultural, duas apresentações inspiradas na autora, mobilizando artistas como Preta Rara, Grupo Clarianas e Dandara e Fernando, filhos da poeta Tula Pilar, falecida em 2019. 

Mineira, Tula chegou à cidade de São Paulo aos 19 anos. O gosto pela escrita já era parte de sua vida, mas foi somente aos 34 anos que publicou seu primeiro livro, Palavras Inacadêmicas. Seu segundo título veio em 2017, uma coletânea de poesias que abordavam sexualidade e erotismo, chamado Sensualidade de Fino Trato

Inspirada pelo trabalho de Carolina Maria de Jesus, Tula Pilar se tornou uma referência na literatura paulistana trazendo em seus inscritos o inconformismo comum àquelas que resistem cotidianamente às desigualdades e ao racismo que marca, sobretudo, as relações entre patroas e trabalhadoras domésticas.

Durante a programação do Estéticas também será apresentada uma websérie produzida pelo coletivo Nós Mulheres da Periferia com entrevistas de escritoras periféricas. Slam do Pico, Ocupação Coragem, Levante Mulher, Força Ativa e Batekerê são alguns dos coletivos que colocarão em cena as Novas Carolinas, destacando um eixo curatorial do Estéticas, a produção artística de mulheres.

“As mulheres periféricas, essas novas Carolinas, tornam o legado da escritora ainda mais vivo, capaz de colocar a sociedade brasileira para pensar sobre suas desigualdades e também sobre suas potencialidades. O país pode ser melhor e realmente fica melhor, quando valorizamos nossas identidades e diferenças”, afirma Eleilson Leite, coordenador de Cultura da Ação Educativa.

 


A PERIFERIA NA AGENDA CULTURAL 

Com a retomada gradual das atividades presenciais, o 11º Estéticas chega para fortalecer as expressões periféricas na agenda cultural da cidade de São Paulo. Com programação distribuída em mais de 30 espaços culturais da cidade por meio do recém-criado Núcleo de Cultura Periférica (NCP), a edição 2021 do Estéticas deve alcançar o maior patamar de ocupação do território da cidade de São Paulo. Serão 54 apresentações em bibliotecas, teatros, centros culturais e casas de cultura. 

O Estéticas das Periferias será a primeira grande ação do NCP – para a Ação Educativa é fundamental a articulação com o poder público local para ampliar a noção de direito à cultura. A ideia é que a iniciativa não se restrinja ao período do evento, mas que a articulação com a prefeitura amplie a presença da cultura de periferia na agenda cultural da cidade.

Ainda nessa perspectiva, cabe ressaltar que, pela primeira vez desde a criação, o Estéticas das Periferias estará presente em 26 territórios, cobrindo toda a borda da cidade. Além dos territórios periféricos já cobertos por edições passadas, passaram a compor a base do evento Parelheiros, Itaquera/Vila Jacuí, Pirituba/Jaraguá, Parque São Domingos e Rio Pequeno. Um dos destaques entre as novas adesões é a presença da Aldeia Indígena Kalipety, de Parelheiros. Ao todo, são 51 coletivos culturais de diferentes perfis e linguagens.

DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO

Circuito LGBTQIA+  

A cultura LGBT terá mais uma vez destaque na programação, ocupando as seis fábricas de cultura geridas pela Organização Social Poiesis (Jaçanã, Cachoeirinha, Brasilândia, Diadema, Jardim São Luís e Capão Redondo). Desse modo seguimos ampliando a presença da diversidade sexual e de gênero no evento. 

Lançamento do livro do Slam Poetas Vivos no Campeonato de Slams

O Slam Poetas Vivos, ganhador do torneio de slams de 2020, lançará seu livro neste ano – a edição da obra é o prémio dado ao slam vencedor. O Poetas Vivo é de Porto Alegre, todo formado por poetas pretos e pretas, e tem uma pegada bem combativa. Em 2021 acontecerá a 5ª edição do Torneio de Slams. Os três primeiros vencedores do torneio (Slam da Ponta, Fluxo e Capão) se encontrarão no Projeto Expresso Poesia na Casa das Rosas para uma roda de bate papo mediada por Emerson Alcalde, criador e animador do campeonato. Outro destaque desta programação é a participação online de slams de Angola e Moçambique.

Centenário de Paulo Freire

A comemoração pelos cem anos do patrono da educação brasileira faz parte da edição 2021 do Estéticas. O Levante Popular da Juventude, responsável pela Escola Nacional Paulo Freire, fará uma série de intervenções pela cidade ao longo dos meses de setembro e outubro. O registro dessas atividades resultará num mini-doc que será exibido durante o evento. No campus de São Bernardo do Campo da UFABC, cinco grafiteiros e grafiteiras farão um grande painel inspirado em Paulo Freire uma semana antes do evento. O registro do processo será editado num clipe que também será exibido no canal do Estéticas durante o evento.

Ciclo de debates Cultura e educação nas periferias: uma relação que se efetiva nos territórios

Inspirados pelo centenário de Paulo Freire, o ciclo de debates que ocorrerá no âmbito da edição 2021 do Encontro Estéticas das Periferias discutirá a relação entre educação e cultura, uma questão pouco tratada nas bases curriculares e nos parâmetros das leis de diretrizes da educação. Cultura e educação encontram um campo fecundo de intersecção nos territórios das periferias urbanas, onde experiências como bairro educador, circuitos culturais escolares, bibliotecas comunitárias, a museologia social, entre outras, serão tema das seis mesas programadas. O evento será realizado em parceria com a unidade Pinheiros do SESC e será retransmitido pelo canal do Estéticas no Youtube. 

Alguns destaques: Ferréz, Rodrigo Ciriaco e Maria Vilani (escritores); Claudia Ribeiro (Museu da Maré) e o professor Marcos Bagno, da Universidade de Brasília (UnB), autor do livro Preconceito Linguístico. 

Futebol de botão

O esporte mais popular do país também terá vez na programação do Estéticas com o torneio de futebol de botão da Rede Paulista de Futebol de Rua (RPFR). As disputas serão realizadas em 06/11 , das 10h às 14h,  no território de Cidade Ademar, envolvendo os polos local, do Grajaú e Capão Redondo.

Criada em 2015 por meio da articulação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil como a Ação Educativa, a RPFR atua para o desenvolvimento de lideranças, além de propor reflexões sobre igualdade de gênero, raça, direito à vida e  paz. Crianças e adolescentes lidam com essas questões a partir do esporte, participando de torneios no qual as regras do jogo são estabelecidas em conjunto, sem a presença de juiz, promovendo o exercício da democracia e coletividade.

 

PRINCÍPIOS DO EVENTO

A organização de um encontro como o Estéticas da Periferia segue alguns princípios, que norteiam a programação e também a apresentação do evento por seus curadores e participantes. Esses princípios são agregadores, favorecendo a construção coletiva e favorecendo a colaboração entre os coletivos.

São eles:
– programação descentralizada

– curadoria coletiva

– comunicação colaborativa

– articulação com o poder público

– abrangência e equilíbrio de linguagens artísticas

– forte presença de atividades educativas, como oficinas e minicursos

– atividades educativas como oficinas e mini cursos

– múltiplos espaços de reflexão, como debates e palestras

– avaliação coletiva

 

HISTÓRIA DO ESTÉTICAS DAS PERIFERIAS

O encontro Estéticas das Periferias surgiu em 2011. Seu nascimento está ligado ao projeto de expor, debater e apresentar inovações artísticas presentes nas periferias de diferentes lugares, muitas vezes distantes espacialmente, mas que guardavam elementos culturais comuns. Inicialmente, foram previstos três seminários anuais, até 2013. SESC, secretarias de cultura da cidade e do Estado de São Paulo, Instituto Itaú Cultural e, principalmente, o Centro Cultural da Espanha foram as instituições que garantiram a realização dessas três edições previstas, que foram acompanhadas pelo Núcleo de Antropologia Urbana da USP e o Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ.

A força desses encontros foi tamanha que o evento anual se impôs, sem interrupções. Já em 2014 houve a quarta edição, em 2015, a quinta, e assim sucessivamente. Em 2020, por conta da pandemia, o evento foi todo online. A história do Estéticas da Periferia é dinâmica, cheia de vida própria. Logo depois do primeiro seminário, já em 2012, o projeto ficou mais participativo, incorporando dezenas de coletivos no processo de organização. Deixou de ser apenas um seminário, passando a ser um encontro, o que permitiu um aprofundamento da sua dimensão participativa e a sua construção das periferias para o centro, redefinindo os fluxos do mapa cultural.

Já há cinco edições, o evento passou a ser organizado de forma descentralizada, com coletivos periféricos – dois por região – respondendo pela curadoria. Tais grupos são formados, majoritariamente, por jovens entre 18 e 29 anos, boa parte deles composto na sua totalidade ou em maior parte por mulheres. 

Esses artistas não profissionalizados combinam sua produção, de enorme potência cultural, com ativismo, promovendo a defesa da cultura e dos direitos humanos, em regiões frequentemente marcadas por políticas públicas ausentes ou pouco eficientes.

O radar do Estéticas também captou e absorveu outros movimentos mais recentes, como o funk das quebradas, os SLAMs, as mulheres do samba, o feminismo negro, a cultura em torno do futebol de várzea, o ensino de arte e as experiências das universidades autônomas, além das ocupações, das hortas orgânicas comunitárias e das editoras das periferias.