O carnaval de rua não está à venda, grupos resistem a privatização e a pandemia do Covid-19
No início de 2022, a cidade de São Paulo decidiu pela não realização do Carnaval de Rua. Em paralelo, o poder público deu sinal verde para a realização de festas e comemorações carnavalescas privadas. A justificativa foi que os eventos fechados permitem controlar a quantidade de pessoas e também a observação de medidas sanitárias. Os críticos da diferenciação apontam que estaria em curso um processo de privatização do Carnaval.
O Estéticas das Periferias conversou com movimentos e coletivos que constroem e dão vida para o Carnaval de Rua na cidade de São Paulo, são eles: Baby Amorim, do bloco afro Ilú Obá de Min, que leva de 40 a 50 mil pessoas nos seus desfiles de Carnaval; Anabela Gonçalves, representante do Bloco do Beco, coletivo que há 20 anos saipelas ruas do bairro Jd. Ibirapuera, bairro da zona sul e Gabriel Di Pierro integrante do Bloco Vai Quem Qué, que é uma das agremiações que compõem o Arrastão dos Blocos.
Para as entrevistadas, independente da decisão do poder público sobre a realização ou não do Carnaval de rua, já havia uma percepção de que seria necessário adiar a festa devido a persistência dos altos índices de contaminação.
Quanto à privatização do Carnaval, Anabela e Baby apontam que a tentativa de formatar a festa a lógica do mercado vem de muito antes da pandemia. Para Gabriel, as festas fechadas “não representam o espírito do carnaval de rua, são eventos restritos para poucos, em geral brancos de maior renda”.
carnaval de rua sempre será popular
Na visão de Anabela, a própria ideia de que o “carnaval” teria ressurgido em São Paulo, nos últimos anos, ignora que diversos grupos nunca deixaram de celebrar a festa, só que isso não era visto com tanta ênfase, principalmente porque acontecia longe do centro. Ela acredita que a ideia de privatizar o carnaval é um processo que “a gente já vive há muito tempo” e só não se completa porque há muita luta para que ele continue sendo popular
“O Carnaval de Rua é uma festa popular que inclui a ideia de democratização e do acesso à cultura para todos. Gente querendo ganhar dinheiro, lucrar com o Carnaval é algo antigo. Nós fazemos Carnaval de Rua e vamos seguir fazendo. A diferença é que, neste momento, a gente transforma essa festa em atividade como doação de alimentos, de doação de livros e outras ações similares”, explica.
A ideia de território também aparece na fala de Baby. Para ela, as ações do poder público que sinalizam a criação de um circuito com trajetos pré-determinados para os blocos, ignorando como o percurso tradicional dos blocos guarda uma importância com a trajetória e o próprio significado daquele grupo. Outro ponto apontado é quanto a “importação” de blocos carnavelesco de outras cidades e a presença de empresas investindo cada vez mais são movimentos que denunciam o desejo de privatizar o carnaval, muito antes da chegada da pandemia.
“A questão é que a gente – que os grupos que fazem o Carnaval de Rua – resistem a esse movimento. O Carnaval é uma festa muito importante e não estamos à venda, a nossa identidade com essa festa, com o território onde vivemos é muito grande”, explica. “Não tem como você pedir para o Ilú desfilar em um “blocódromo” ou ir para a Faria Lima, o Ilú nasceu no centro, a identidade negra que deu origem ao Ilú está ali. Por isso continuamos aqui”.
Gabriel defende que o carnaval de rua, livre e comunitário, sempre foi um contraponto, uma demonstração de que é possível reverter a lógica de mercado que sempre tenta se apropriar dos espaços públicos,
mais um ano sem festa na rua
Anabela explica que no final de dezembro, o Bloco do Beco já havia decidido por não comemorar o Carnaval com o desfile na rua. “Com a volta do aumento de contaminação nas festas de fim de ano (já sabíamos) que este não seria o momento de voltarmos a fazer o Carnaval. Além disso, em alguns eventos que voltamos a organizar, muito gente aparece com a carteirinha de vacinação desatualizada. Ainda estamos em um momento de fortalecer as campanhas de vacinação e lutar contra o vírus”.
Na mesma linha, Baby conta que o Ilú Obá de Min já tinha a decisão política de não sair, mesmo se o poder público tivesse autorizado. “O Ilú é um bloco que concentra muita gente, por isso já tinha decididos isso anteriormente. Particularmente, eu acho que não deveria haver nada. Ainda estamos enfrentando uma nova cepa, a Covid-19 ainda está aí, por mais que seja uma dissonância tudo está rolando normalmente”.