Novas Carolinas: “É legal ouvir que a “Sharylaine é a nossa velha guarda do hip hop”
Ser um dos principais nomes dos principais movimentos culturais no Brasil, construindo uma carreira que celebra e exalta a cultura periférica, principalmente a mulher negra, torna a rapper Sharylaine uma personagem necessária da série de perfis “Novas Carolinas”.
Autora de clássicos do rap como: “Saudade”, “Poderosa”, “Mina”, “Missão” e “Livre no Mundo”, Sharylaine cresceu em universo repleto de arte e, especialmente, a música. Seu pai era membro de escola de Samba, a mãe fã de Elza Soares e um tio DJ. Porém, a transformação de uma ouvinte de música em uma artista não foi algo tão simples.
“A minha mãe não queria que eu virasse artista, mas também não proibia. Ela só não abria mão de que eu deixasse os estudos de lado. Eu podia cantar, podia dançar – apesar dela sempre aconselhar que eu estudasse mais e sambasse menos. Já o meu pai não gostava muito da minha relação com o hip hop. Para ele, eu devia trabalhar, se fosse fazer algo com música, deveria ser samba”, recorda a rapper.
Crescendo nas ruas da Zona Leste de São Paulo, Sharylaine lembra que a compreensão de ser uma pessoa negra foi algo automático, isso porque sua família era formada por pessoas negras, a maioria dos seus amigos e as pessoas que estavam nos espaços que ela circulavam eram negras.
“A maioria da galera com quem eu andava era preta. Então eu estava em casa, sabia que aquilo era um movimento de preto, o baile era “black”, então estava tudo certo”, lembra.
O que representou uma virada na sua vida artística foi quando compreendeu o que significava ser uma mulher negra e adotar uma posicionamento feminista. “As mulheres brancas conseguiam sempre alcançar algo a mais que eu nunca conseguia. É muito mais difícil para uma mulher negra colocar o seu trabalho na rua para rodar, no máximo era uma musiquinha ali numa coletânea e já estava bom”, crítica.
A rapper lembra da mudança em como passou a ser vista por parte da cena do hip hop, principalmente pela galera mais nova, por causa de um elogio que os Racionais MC’s fizeram para ela. “Quando os Racionais falaram ‘A Sharylaine levou a gente para tal lugar, ela apresentou ‘nóis’. A galera passou a me valorizar mais. Precisou deles terem falado”, destaca.
Ela explica que é muito difícil encontrar rappers e MC’s que são capazes de citar uma mulher quando respondem sobre quem serviu de inspiração para eles, “só falam de homens. Porém, já as rappers mulheres não fazem essa segregação de gênero” pontua Sharylaine.
Quanto ao que mudou do momento em que começou a sua trajetória para hoje, Sharylaine avalia que a grande diferença está no acesso à tecnologia e a possibilidade de colocar o trabalho para rodar. Porém, a respeito do reconhecimento ou ainda de uma diminuição do racismo e do sexismo, ela acredita que mudou-se muito pouco em termos práticos.
“O reconhecimento para uma mulher negra é sempre muito difícil de ser dado. A própria Carolina de Jesus conta que, mesmo depois do livro dela ter rodado o mundo, os seus vizinhos de bairro ainda tiravam com a cara dela, faziam piadas sobre o assunto, que ela ainda tava lá, morando na quebrada”, pondera.
Entre os seus últimos trabalhos, a artista tem se aproximado mais do samba, inclusive integrando o grupo “Amigas do Samba”. “Eu me sinto música. Já passei por vários estilos. Ainda quero fazer rock, mas é o rap que me move, foi a cultura hip hop que me fez pulsar a veia artística. Eu gosto de fazer uma música que expresse meu compromisso social e político”, finaliza