Mês da Juventude: Para Igor, ser jovem preta da periferia é construir novas possibilidade

12 de agosto de 2022

por Paulo Pastore

Do sonho de seguir vivo ao sonho de dar um carro jipe para sua mãe. No Mês da Juventude,o Estéticas das Periferias conversou com Igor Nogueira, jovem negra de 27 anos, nascida na favela de Heliópolis. Na entrevista, ela conta um pouco da sua trajetória de vida, qual o lugar do jovem dentro da sociedade e como a atuação política chegou em sua vida.

Ser uma jovem negra periférica, na maior cidade do país, é tentar equilibrar uma realidade que lhe apresenta diversos símbolos e exemplos de resistência, de superação, ao mesmo tempo em que aparentemente não existem alternativas para um futuro melhor. “Não é exagero dizer que, por ter me uma formação universitária, ser uma gay preta que cresceu na favela, com 27 completos, eu contrariei as estatísticas”. 


Tendo sido próxima do MPL (Movimento Passe Livre), jogadora de futebol do “Corote Molotov” – time de várzea de moradores de rua – e integrante da Perifacon, Igor conta que não teve que a atuação política, mas que, naturalmente, percebeu-se agindo e se organizando de repente, politicamente, sendo algo que “fazia muito sentido para mim”.

O que é ser uma “jovem preta periférica”?

É viver em um mundo de incertezas, que se mistura aos vários símbolos de resistência, de força, de luta presentes na sua família e na sua quebrada. É um mundo que, muitas vezes, se apresenta sem oportunidades, sem perspectivas e referências de vitória.

Agosto é conhecido como o “mês da juventude”. Qual o lugar ou espaço da juventude na organização da sociedade hoje?

A juventude está no lugar de criação de novas possibilidades, para os seus e para si mesma, para o local de onde ela veio. A criação de um coletivo cada vez mais forte, capaz de, principalmente, fazer das dificuldades e da falta de oportunidade, a sua motivação para seguir em frente,  construir novas histórias, novas narrativas e contrariar aquilo que o sistema não quer que você alcance. 

Como você se define políticamente?
Eu acho muito difícil me definir dessa forma, mas quando eu penso em responder a esta pergunta, eu gosto muito de um termo da Linn da Quebrada que é se apresenta com uma “agitadora cultural”, eu acho que sou isso, uma agente de transformação.

Conte um pouco da sua trajetória:
Tenho 27 anos, nasci na favela do Heliópolis. Cresci com a minha mãe e com meu irmão. Em um perído, após um incêndio, a gente perdeu o nosso barracão, e moramos na rua mesmo. Depois voltamos para zona norte, morando de favor na casa de uma tia, e fomos construindo nossa vida. Minha família morou no Jardim Brasil, no Jaçanã sempre na zona Norte. Na minha vida adulta, graças ao meu trabalho, eu consegui ir explorando a cidade, morando no centro, em vários bairros. Atualmente estou de volta para a zona norte, mais próximo da minha família.

Você participou do MPL, da Perifacon. Como surgiu ou que motivou você a participa de movimentos e coletivos? E quais as importâncias deles na sua trajetória?

Eu nunca participei do Movimento Passe Livre diretamente, mas eu acompanhei a trajetória do movimento, ia aos atos, era próximo. Uma das minhas primeiras atuações políticas mais diretas foi no time de futebol “Corote Molotov”, que é formado por moradores da ocupação Alcântara Machado, no bairro do Brás.
A minha aproximação com coletivos e movimentos político foi, para mim, um caminho muito natural para quem vem da periferia, com corpo que eu tenho, com a minha orientação sexual.

Meus caminhos foram me levando para estar na luta, não foi algo que eu busquei, que eu decidi ir atrás. O que é mais significativo deste processo, é saber que você têm outros iguais, que estão na construção de futuro juntes, buscando um lugar melhor para quem vem depois da gente.

Você é muito ligado ao universo da “cultura geek”. Este é um ambiente que reproduz os padrões de uma sociedade heteronormativa ou as questões de gênero, de raça, identidade sexual tem maior espaço?

A cultura geek é uma indústria, é inegável que ela reproduz os padrões da heteronormatividade, da branquitude, da burguesia, assim como qualquer outra indústria. Por isso, a periferia, as pessoas negras, grupos ‘minoritários’ não só vistos como potenciais consumidores dessa cultura. Nisso, um evento como a “Perifacon”,  por exemplo, vem muito dessa contramão, desses padrões. A gente sempre pensa a produção do evento, a o público participante, a galera que vai trabalhar na organização, pensando em como mudar um pouco essa narrativa. Então buscamos profissionais de periferia, os profissionais que estejam dentro de um aspecto da diversidade como um todo.

Você acha que é exagero dizer que “todo jovem negro que envelhece, contrariou as estatísticas”? 

Eu não acho que seja um exagero, até porque quando a gente está falando de perspectiva de vida, nós estamos falando de dados. Eu, por exemplo, me vejo contrariando as estatísticas, eu não tenho exemplos da minha família de pessoas que se formaram. Hoje, eu consigo me sustentar, tenho diversas experiências profissionais,  que, normalmente, não são acessíveis para pessoas como eu. Acredito que, a minha existência e minha trajetória contraria diversas estatísticas. 

Quais seus sonhos ou projetos de futuro?

Tem muita dificuldade de responder essa pergunta, mas a primeira coisa que vem a cabeça para responder isso, que é uma meta que tenho há muito tempo, é devolver para minha mãe tudo que ela já fez por mim. Um dos maiores sonhos dela, algo que ela sempre fala, é do desejo de ter um jipe. Esse é meu sonho hoje, dar um jipe para minha mãe, dos meus sonhos, do meu projeto, o que significa mais para mim hoje é isso.