“Hoje tem live!” A rapidez com que apareceram e se multiplicaram apresentações e shows nas diversas plataformas digitais pode sugerir que a internet foi uma alternativa simples e eficiente para todo o mundo artístico. Mas, como os Racionais MC’s avisaram: “O mundo é diferente dá ponte para cá”. Além de enfrentar a crise sanitária, econômica e social provocada pela pandemia do Covid-19, a periferia não tem a mesma disponibilidade e facilidade para obter recursos financeiros e técnicos para fazer essa transição de modo fácil.
Na busca por soluções, uma das alternativas encontradas foi o “Estéticas LAB”, projeto da rede de coletivos culturais “Estéticas da Periferia”. Entre os dias 25 e 29 de agosto, uma série de vídeos e apresentações vai contar como foi a construção deste projeto, que funcionou como um espaço colaborativo de troca de ferramentas, informações, experiências, alternativas e soluções que cada coletivo encontrou para responder a esse momento de crise.
“A produção cultural na periferia sempre foi muita marcada pela ideia da presença no território, da arte feita por quem vive ali na quebrada para os seus. A lógica da internet traz novas questões e exige um suporte técnico que muitos artistas e coletivos nunca tiveram”, explica Adriano José, um dos coordenadores do Estéticas das Periferias.
Neste primeiro Estéticas LAB, um dos focos é apresentar o processo de adaptação dos coletivos para o mundo virtual, contar as histórias do que foi feito e de como feito, falar sobre o que funcionou e o que falhou. E, assim, mostrar como a arte periférica seguiu sendo uma ferramenta de expressão e de vida nesses espaços.
“O que a gente tem e onde queremos chegar”
Renata Prado, dançarina de funk e pedagoga, é uma das produtoras culturais que integram a rede de coletivos do Estéticas das Periferias. Para a artista, o processo de entender como seguir fazendo arte durante a pandemia foi bastante desafiador e deu-se muito na “tentativa e erro”. Ela entende que a tradição histórica de resistência na periferia foi o que permitiu que a cultura da periferia encontrasse meios para seguir existindo, para continuar ativa.
“A gente usa o que a gente tem, para chegar onde a gente quer chegar”, atesta. Ela lembra que o ano de 2020 foi um período difícil de transição do meio físico para o digital, mas entende as experiências dos coletivos, movimentos e artistas significou um amadurecimento em relação a produção digital.
Para a artista, o Estéticas Lab é mais um passo no fortalecimento da produção periférica virtual. “Hoje, a gente tem uma experiência maior nesse processo de fazer o nosso trabalho na internet. A realização do Estéticas Lab é um espaço importante para trocar conhecimento e seguir evoluindo”, comemora.
Morador do bairro Ermelino Matarazzo, Gil Douglas conta que as parcerias entre os coletivos foi decisiva para a arte de quebrada continuar viva e, mais do que isso, ser significativa para sua comunidade.
“A gente conseguiu montar um estúdio para as apresentações virtuais, tudo na base da ajuda mútua com outros coletivos, na vontade de fazer virar. Teve gente que chegou com câmera, outro arrumou a iluminação, uma galera arrumou uma placa de captura, outros deram formação de como usar tudo isso”, explica.
Relembrando a edição do Estéticas de 2020, Douglinhas comenta que quando o evento aconteceu, em novembro, nem todos os coletivos e grupos já tinham domínio das ferramentas virtuais para colocar o seu trabalho para rodar. “Tinha gente que não conseguia participar da reunião de pré-produção porque a internet estava ruim e não abria o Zoom de uma galera. Aprendemos muita coisa realizando o evento, o Estéticas Lab é uma forma da gente seguir fazendo e aprendendo”, lembra.
“Realizar o Estéticas das Periferias-2020 foi difícil e bastante desafiador. Conforme a gente foi entendendo os processos em cada coletivo estava, rolou uma troca muito positiva, pra descobrir como uma galera estava fazendo no seu território e trazer aquilo para o nosso espaço”, explica Douglinhas.
Para ele, o Estéticas LAB surge da percepção do quanto é importante essa troca entre os coletivos e, também, de que é importante apresentar que, mesmo em meio a pandemia, aconteceu muita coisa: “A cultura encontrou seus meios para continuar existindo e movimentado as pessoas, o Estéticas Lab também vai mostrar isso”.
“Sempre Online”
Chegando a sua 11ª edição, o Estéticas das Periferia vai experimentar a sua segunda edição 100% on-line. Adriano confessa que antes da pandemia, a rede não via a internet como um espaço tão importante. Agora, depois do virtual virar a única alternativa, a expectativa é que o evento nunca mais volte a ser só “off-line”.
“O Estéticas das Periferias tem um modelo organizativo que é complexo, mas que está consolidado. Realizar uma edição totalmente virtual como a do ano passado foi um esforço muito grande. A gente avalia que muito mais coisas deram certo do que errado. O Estéticas LAB é mais uma parte desse processo de seguirmos evoluindo.”
Apesar da dificuldade inicial, já que não via as redes sociais como um espaço central no seu fazer artístico, Renata conta que tem conseguido se estabelecer nesse ambiente. “Eu fui migrando de plataformas, vendo o que funcionava, o que dava certo. Hoje eu me sinto muito mais à vontade, muito mais adaptada. O que é importante, já que mesmo com a vacina, as coisas devem demorar mais um pouco para se normalizar”, avalia.
Já para Douglas, há muito o que se lamentar pelos impactos causados pela pandemia, mas a sensibilidade que os artistas periféricos têm em relação à sua comunidade mais uma vez mostrou-se presente, com diversas ações culturais que tiveram a pandemia como tema. Além disso, o aprendizado e o uso das tecnologias é mais um recurso, mais uma plataforma que a arte de resistência soma a seu arsenal de atuação.