Se há alguns anos a pergunta era “existe arte na periferia?” O espaço conquistado pela cultura periférica mostra que essa dúvida nunca nem deveria ter existido. Hoje, a questão que muitos artistas lutam para responder é “Dá para viver de arte feita na e para quebrada”?
Entre as alternativas encontradas, para além da formação de um público próprio, leis de incentivo e editais, a profissão de arte-educador desponta como uma das principais opções profissionais que assegura a subsistência destes profissionais, ao mesmo tempo que evita o afastamento por completo do seu fazer artístico.
O Estéticas das Periferias conversou com dois arte-educadores: Rubia RPW, que no final da década de 80 deu seus primeiros passos na cultura Hip Hop, e Renato Almeida, pesquisador de movimentos culturais ligados à juventude. Para ambos, o trabalho de arte- educador tem se consolidado como uma importante alternativa profissional e, para além disso, contribui para a disseminação desses saberes dentro da periferia.
“O boom que a arte periférica teve nas últimas décadas, cativou e atraiu muita gente. As pessoas começaram a querer viver fazendo isso, a buscar meios de conseguir isso. É a trabalhadora ou trabalhador de telemarketing, quem está no comércio ou no escritório, que querem deixar esse empregos para poder viver só da sua arte. É um desejo muito forte”, explica Renato.
Para ele, a consolidação dos saraus, grupos de teatro, a publicação de livros e a multiplicação de diversas outras expressões artísticas tornou-se uma realidade possível que cativou muitas pessoas, que passaram a querer viver disso, viver para fazer e produzir cultura.
O desejo de encontrar meios de “viver da arte”, fez com que muitos encontrassem na arte-educação essa resposta, uma forma de, através do ensino, compartilhar aquilo que fazem enquanto artistas, de seguir produzindo, ensinar arte e poder pagar suas contas.
Na visão de Rubia, a própria essência da arte periférica enquanto “um instrumento de resistência”, leva o artista periférico a ser um “arte-educador dentro do seu território”. Ela acredita que principalmente o caráter de contestação, de não alinhamento imediato da cultura periférica com a lógica comercial, ao mesmo tempo que dificulta a inserção no mercado, aproxima este artista do trabalho com educação. “A arte-educação mais do que um caminho comum, é uma das das alternativas possíveis para os artistas periféricos.”
Possibilidades
Essa ‘vocação’ natural de alguns artistas para trabalhar com arte-educação também é compartilhada por Renato. Ele cita como exemplo a atuação de oficineiros, professores de instrumentos musicais ou de teatro.
“Tem muita gente que sempre trabalhou atuando como arte-educador, mas não tinha isso formalizado ou não tinha essa compreensão de que era um educador. Atualmente, a busca por obter esse reconhecimento e conquistar espaços formais e remunerados para exercer essa atividade tem sido responsável por garantir recursos para muitos artistas”, aponta.
Na mesma linha, Rubia percebe um grande potencial na atuação do arte-educador que também é artista, isso porque quem faz uma cultura engajada e crítica, acaba levando esse posicionamento para os espaços de educação.
“Desde sempre tive muita admiração pelo ofício da arte-educação. Acredito na educação como a mais importante via de acesso e de emancipação; e quando a arte é usada como ferramenta nesse processo a potência é muito maior”, diz.
Voar juntos
“Ajudamos a confeccionar asas e voamos juntos!”, Rubia cita os versos do poeta Sergio Vaz para exemplificar o quanto trabalhar como arte-educadora influenciou na sua sua atuação dentro do hip hop.
“Eu costumo dizer que na minha trajetória de vida existem vários marcadores importantes, e ser arte-educadora é uma dessas marcas. A partir do momento que comecei a trabalhar com esses adolescentes eu ampliei também o meu repertório, a minha visão de mundo, influenciou totalmente na minha escrita”
Quanto à perspectiva dos alunos, Renato defende que a atuação do arte-educador tem uma capacidade muito grande de mudar não só a relação dos jovens com a arte, mas também de influenciar toda a vida dos alunos.
Ele lembra que quando trabalhava em uma escola pública, durante uma reunião de professores, a professora de educação artística defendia a reprovação de um aluno porque ele “não fazia nada durante as aulas as artes”.
“O curioso é que esse aluno andava sempre com um cavaquinho, tocava e cantava. Tinha um talento nato, mas a forma como a arte chegava para ele não fazia sentido, ou não considerava sua forma de expressão artística, não estava interessada no que ele podia fazer”, explica. “Hoje, com tanto arte-educador da periferia, que vive toda essa efervescência cultural, esse tipo de problema certamente tem acontecido bem menos”.
No que depender de Rubia, Renato e outros colegas de profissão, a arte-educação seguirá assumindo o papel de ensinar cultura com outro olhar, ao mesmo tempo em que oferece condições para os artistas serem artistas