Do quilombo à afirmação da luta de mulheres, Projeto Interpaz promove encontro entre polos do futebol de rua

19 de julho de 2022

por Paulo Pastore


Dizer que o futebol une os povos, pode parecer clichê. Mas quem conhece o  “futebol de callejero” (futebol de rua) ou “futebol de três tempos” consegue imaginar o porquê desse esporte ser capaz de unir, em um só final de semana, dois grupos de direito das mulheres e  associação quilombola.

A gente aproveita que dia 19 de julho é dia nacional do futebol, para contar um pouco sobre o último encontro do Projeto Interpaz/Ação Educativa, iniciativa que desenvolve a prática do futebol de rua como forma de promover cultura de paz com igualdade e equidade de gênero. O evento foi realizado em Santo André (SP), reunindo o Instituto Esporte Mais, de Fortaleza (CE), a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas, de Pernambuco, e o Piratinhas, do Jd. Santo André (SP).  Além do Grupo Afirmativo de Mulheres independentes, de Natal (RN), que participou on-line.

 

“Ter reunido, pela primeira vez presencialmente, esse grupos foi importante porque ajudou a reafirmar a capacidade e o potencial do futebol de rua para servir como uma ferramenta, dentro do território destes coletivos, para promover uma cultura de paz e a reafirmação de direitos humanos”, conta Mayra Silva,


Mayra conta que os grupos já vinham experimentando e colocando em prática a metodologia do futebol de rua. Ela explica que a metodologia do futebol de rua é baseada na resolução não-violenta de conflitos e trata o futebol como ferramenta sócio-pedagógica. As partidas são jogadas com equipes mistas de mulheres e homens e as regras são definidas coletivamente pelas duas equipes com base em 3 eixos: cooperação, solidariedade e respeito. Quem respeitar mais as regras, ganha a partida. Não há juízes e são os/as mediadores/as quem facilitam os processos

Ter reunido os grupos no polo Piratinhas, mostrou para esses grupos que a prática “não tem mistérios” e que pode ser reproduzida se reproduzida em outros espaços, que não o dia a dia de cada coletivo, explica Mayra.

Adaumilton, mediador da Associação Quilombola de Conceição das Crioulas, o encontro permitiu que ele e as meninas da Associação pudessem ter uma real compreensão da dinâmica e forma de aplicação da metodologia.

“Foi uma coisa muito bonita e encantadora ver aquelas crianças construindo as regras, jogando como um jogo ‘normal’ e depois parando no terceiro tempo discutindo sobre o que aconteceu durante o jogo. O intercâmbio foi algo que me marcou muito, ver a metodologia do futebol de rua funcionando deu um impulso ainda maior para reproduzir a prática na associação e nas escolas”, conta. 

futebol como ferramenta

Para Adaumirton, o gosto pelo futebol surgiu de forma natural, como “todo brasileiro que começar a gostar de futebol”. Porém, a compreensão do futebol como uma prática que também poderia ser política, foi uma estratégia usada pelos mais velhos para despertar os jovens do quilombo, para a importância da consciência e organização social.

A Associação, da qual Adaumilton faz parte, foi criada pelo quilombo Conceição das Crioulas, localizada no Sertão central do município de Salgueiro, a aproximadamente 550 km do Recife, capital de Pernambuco, conhecida no Brasil por seu histórico de luta pelo território, pela beleza e qualidade do seu artesanato.

 

“As pessoas mais velhas do quilombo começaram a perceber que os mais jovens não queria saber muito de política. Aí eles tiveram a ideia de incentivar a prática de esportes, inclusive do futebol para levar a gente para dentro da associação. Quando a gente estava lá, apresentavam a associação, falavam da importância da organização política para o quilombo continuar existindo.  Foi assim que eu despertei minha consciência política”, conta.

Com o slogan “Mudamos o mundo com e para as mulheres por meio do esporte”, o  Instituto Esporte Mais existe desde de 2014, tendo sido criado por quatro mulheres, que a partir de suas experiências e histórias com o futebol e outros esportes, decidiram criar a instituição afim de promover uma prática esportiva que promovesse a inclusão e a segurança das mulheres.

“A lógica não é pensar em uma luta de mulheres x homens. É sim entender que é preciso criar uma cultura que promove a segurança das mulheres não só no esporte, mas na sociedade como um tudo. O Futebol de Rua casa bem com o pensamento do Instituto Esporte Mais porque ele é jogado com homens e mulheres, com as regras e forma de jogar pensadas para garantir o respeito e a inclusão de todas e todas”, aponta.


Intepaz

 

Atualmente, o Projeto Regional Interpaz, conta com 7 polos de futebol de rua. Três deles no Nordeste, em parceria com o Instituto Esporte Mais, a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas (AQCC) e o Grupo Afirmativo de Mulheres Independentes (GAMI). 

No estado de São Paulo, há outros quatro polos: Piratinhas, Além das fronteiras e dois em unidades femininas da Fundação Casa, que conta com a participação das jovens que estão em cumprimento de medida  socioeducativa.

 

Além do Brasil, o Interpaz é implementado por organizações parceiras em outros três países: Corporación Amiga Joven, na Colômbia, Museo de la Palabra y la Imagen, em El Salvador, e Centro de Servicios Educativos en Salud y Medio Ambiente (CESESMA), na Nicarágua, com apoio do Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha (BMZ) em co-financiamento com terre des hommes Alemanha