A cultura ballroom é receptiva com quem é novo na cena? Para responder essa pergunta, o Estéticas das Periferias conversou com Eduarda Kona, mother da House of Zion e Jordan Ariel, da Casa de Pimentas, que falaram um pouco sobre quem são as babies, qual o lugar delas e os principais desafios para quem está iniciando sua trajetória nas ball’s.
Dentro do vocabulário ballroom, babies é o termo utilizado para definir quem ainda é iniciante dentro da cultura, muitas vezes nunca desfilou, às vezes não pertence a nenhuma casa ou não conhece a maioria dos os passos e movimentos. Jordan explica que as babies são pessoas “virgens”, recém chegadas na comunidade que, muitas vezes, nunca tiveram um contato direto ou orientado sobre a cultura, mas que possuem “muita energia, muita vontade de aprender, vontade de inovar, de fazer dar certo de várias formas diferentes”.
Eduarda Kona é direta em dizer que a cultura ballroom “não tem paciência” para quem é novo. “Sendo bem franca, não tem paciência para quem está começando. Pouca gente dedica tempo para as pessoas que estão iniciando. Geralmente esse cuidado vem das pioneiras e pioneiros (como são conhecidos os precursores da cena no Brasil) porque sabem que as pessoas precisam começar de algum lugar”, observa. “De modo geral, quem tá começando tem que correr mais e mais rápido para conseguir acompanhar”.
A energia criativa das babies, elogiada por Jordan e a preocupação em criar um ambiente acolhedor para elas, lembrada por Eduarda, foi parte do espírito que levou a promoção da “PiCUNT BABY BALL”, dentro da programação da 12ª edição do Estéticas das Periferias. O evento, realizado no predinho da Ação Educativa, foi destinado principalmente para o protagonismo das babies, organizado pela a kiki Casa de Pimentas, house composta por pessoas pretas, travestis e não bináries das regiões: Capão Redondo, Grajaú, Itapecerica da Serra e Embu.
Entre as iniciativas no sentido de promover esse acolhimento de uma forma mais didática, Jordan desenvolveu uma série de oficinas voltadas às babies. As aulas estão acontecendo na sede da Ação Educativa, sempre às segundas-feiras, com participação gratuita. Ao todo são oito oficinas ensinando os principais fundamentos e bases da ballroom.
“Quanto mais eu me preocupo em acolher as babies, isso se reverte para mim, é uma forma de cuidar de mim mesmo. Quem está iniciando também tem muito para me ensinar, também vai me acolher. Para mim, faz muito sentido o ditado ‘quando a gente ensina, a gente aprende mais”, diz Jordan.
Como em todo universo novo, na ballroom também existem algumas ‘barreiras de entrada’ ou desafios a serem superados, explica Eduarda. Desde a falta de conhecimento dos movimentos, a inexperiência na dança e nos passos ou até mesmo o desconhecimento da língua inglesa, de onde vêm muitos dos termos usados.
“Fazendo uma lista, em primeiro lugar, eu diria que a língua é uma grande barreira, se a pessoa não sabe falar o idioma, não entende o que está sendo dito. Em segundo, acho que é a referência que as pessoas pegam, às vezes mirando e querendo fazer igual a quem já tem um nível muito alto, já está muito distante do que a pessoa consegue fazer nesse momento. Em terceiro, é a ausência de momentos e práticas voltadas diretamente para as babies”, avalia.
Eduarda continua dizendo que momentos focados para as babies “trás uma segurança e uma potencialidade muito maior” para as pessoas que estão começando a caminhar. Ela conta já ter ouvido diversos relatos de babies que participam das balls com pessoas mais experientes, “existe um receio de se mostrar, um medo do erro, de se colocar na frente de pessoas que são referências para elas”.
“Uma ball, oficina ou treino só para as babies permite um ‘descansar’, um relaxamento da ansiedade que é muito saudável, porque isso permite uma liberdade, dá uma segurança maior, uma autoconfiança que é muito importante”, observa.
Eduarda e Jordan comentam ainda que tem sido, aos poucos, desenvolvido um processo de adaptação da ballroom ao contexto e realidade do Brasil. Eles dão como exemplo o processo de tradução dos termos e frases, além da criação de categorias e passos ligados à cultura nacional.
“A ballroom Brasil vem se incrementando, fomentando, se adequando às danças brasileiras como funk, batekoo, samba no pé,capoeira. A ideia não é reproduzir uma cultura que é de fora e dizer que é nossa, mas adaptá-la de acordo com as nossas organizações, racionalidades, questões políticas e socias”, afirma Eduarda.
As oficinas para as babies acontecem durante todo o mês de Outubro, sempre nas segunda-feiras, no “Predinho”, sede da Ação Educativa. Não é preciso ter experiência ou formação em dança. As aulas passam pelas categorias Runway, Face, Besta dress, Reallness, Vogue femme e Old Way.
Para Raquel Luanda, supervisora de comunicação e do Centro de Eventos da Ação Educativa “A ideia da programação do Espaço Cultural Periferia no Centro é sempre trazer novos expoentes culturais, mobilizando coletivos periféricos, negros, feministas e LGBTQIAPN+, para que possam trazer as inventividades de suas produções e apresentar, muitas vezes pela primeira vez, seus trabalhos, por isso oportunizar a primeira ball de algumas kikis e acolher as babies é tão importante para nós!”
cc: Aguaqent